Hoje ao sair nas ruas é cada vez mais comum
presenciarmos a cena de pessoas do mesmo sexo trocando palavras e gestos de
carinho, coisas que em um passado nem tão distante assim, eram praticamente
exclusividade de casais heterossexuais.
Quem estava vivo há 20, 15 ou 10 anos acharia
loucura ou alucinação se alguém dissesse que uma parcela considerável da
audiência brasileira, estaria torcendo para que um casal formado por dois
homens alcançasse o final feliz em um folhetim do horário nobre de uma das
principais emissoras do país. Um avanço astronômico, alguns diriam.
A luta pelos direitos LGBT não
se iniciou há cinco, seis, oito meses ou um ano atrás, nem tanto
é uma luta legítima da mídia televisiva ou impressa brasileira, muito pelo
contrário, essa luta é das pessoas que diariamente não se calam perante o
preconceito, que se articulam em movimentos, grupos, redes e que não permitem
que suas vozes sejam caladas por nossa sociedade machista, heteronormativa e
profundamente preconceituosa.
A delineação de um movimento gay, organizado,
articulado e voltado para a luta dos direitos dessa minoria se deu por volta
dos anos 1970 em meio há uma série de particularidades políticas e sociais do
momento, como a repressão feroz da ditadura militar e a eclosão da epidemia de
HIV na década de 1980. Concomitantemente a isso foram nascendo movimentos organizados de
homossexuais como o Grupo de Afirmação Sexual de São Paulo - SOMOS que se
dissolveu em 1983; o Grupo Gay da Bahia – GGB fundado em 1980 e registrado como
entidade sem fins lucrativos em 1983.
A década de 1990 é um marco na luta, foi
nesse período que eclodiram grupos organizados por todos estados do país.
Em 1995 nasce a maior rede de organizações LGBT brasileira, a Associação
Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis – AGLBT cuja missão
segundo a própria rede é a de ”Promover ações que garantam a cidadania e
os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais,
contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma
pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência,
em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero.”
Durante certo período vários desses
movimentos se uniram para levar a frente à batalha contra o HIV, que foi uma
verdadeira epidemia entre os homossexuais, o que inclusive propiciou uma imagem
distorcida dos gays em relação ao vírus, não é incomum ainda hoje ouvirmos
frases e opiniões do tipo: “Todo gay tem HIV.” Ou: “Só faço sexo com mulheres,
logo não corro risco de contrair AIDS”. A essa luta se alinhou, é claro, aquela
pela garantia dos direitos, combate à homofobia e principalmente pelo respeito
e paz aos homossexuais, porque ser gay na sociedade em que vivemos significa
também correr alguns riscos. Quantas vidas já foram perdidas? Tantas outras
violentadas gratuitamente das mais diversas formas seja moral, física e/ou
psicológica na rua, em casa, na escola e no trabalho.
Hoje o balanço que fazemos desses mais de
quarenta anos de luta, pode ser positivo, caso consideremos os avanços que os
homossexuais têm alcançado, como a possibilidade da união estável, o casamento civil com todos os direitos que isso acarreta para um casal, a adoção de crianças, etc.
O controle e tratamento do HIV também não pode ser esquecido como uma conquista
alinhada entre os movimentos organizados e a iniciativa pública, mas é claro
que ainda há muito para caminhar e muito a se conquistar, basta lembrar do caso
do garoto encontrado morto sob o viaduto Nove de Julho há algumas semanas,
cujas fortes evidências apontam para crime motivado por homofobia.
Hoje os gays vão as ruas, ocupam altos cargos
nas empresas, são atores, apresentadores, médicos, administradores,
empresários, autores, enfim, pessoas que em muitos casos não precisam esconder
o rosto ou viver duplamente para ser quem são. E, embora o público pareça
tratar os casais gays na teledramaturgia com naturalidade e até mesmo certa
torcida, talvez não imagine o longo caminho trilhado até aqui.
Casais gays na TV sempre foram sinônimos de
rejeição, basta citar casos como "A Próxima Vítima (1995)" em que os papéis
interpretados por André Gonçalves e Lui Mendes foram alvo de alta rejeição,
levando o ator André Gonçalves ser agredido em uma rua por um grupo de homens; em "Torre de Babel (1998)" o casal de lésbicas formado por Christiane Torloni e
Silvia Pfeifer morreu na explosão de um shopping, fim motivado pela baixa
aceitação do público; não foi diferente em "Desejos de Mulher (2002)" com o casal
formado por José Wilker e Otávio Muller, ao longo da trama deixaram de usar
aliança, mesmo vivendo sob o mesmo teto e adotaram uma postura espalhafatosa
e estereotipada, motivada também pela baixa audiência.
Assim os homossexuais foram tratados ao longo de todos esses anos na TV, apesar do gay estar presente em diversos papéis, ele sempre foi ou a bicha espalhafatosa (estereotipada) ou o homem de família enrustido, porém as tentativas de mostrar o homossexual que também tem uma "vida comum", um companheiro (a), que ama, chora, sofre, etc., nunca foi bem vista, cenário que está mudando recentemente.
Assim os homossexuais foram tratados ao longo de todos esses anos na TV, apesar do gay estar presente em diversos papéis, ele sempre foi ou a bicha espalhafatosa (estereotipada) ou o homem de família enrustido, porém as tentativas de mostrar o homossexual que também tem uma "vida comum", um companheiro (a), que ama, chora, sofre, etc., nunca foi bem vista, cenário que está mudando recentemente.
O que parecia impossível está se concretizou,
uma uma parcela considerável da população torceu para que o Niko (Thiago
Fragoso) e o Félix (Mateus Solano) terminassem juntos com direito a final feliz
e beijo para concretizar a união dos dois. A pergunta que fica é: O que mudou
na mente das pessoas? Algo de fato mudou mesmo?
O gay tem virado uma rotina na mídia e há uma
manobra quase que explícita de diversos meios de comunicação para uma maior
aceitação dessas pessoas. Entretanto, cabe perguntar qual a motivação e até
quando isso vai durar? E o mais importante e que poucas pessoas têm parado para
pensar é ate que ponto a aceitação tem mesmo que partir dos apelos e manobras
da mídia. Porque agora é bonito o casal de homens. Agora eles podem andar de
mãos dadas, casarem-se e ter filhos. Mas e a luta legítima e dura das pessoas
anônimas que ao longo de todos esses anos vêm batalhando por mais direito, mais
igualdade e mais justiça?
Não podemos perder de vista que por anos a
própria mídia implicitamente se mostrou contrária à causa homossexual, às vezes
se abstendo da discussão, por outras relutando em mostrar um gesto de carinho
qualquer que fosse entre pessoas do mesmo sexo. Está mais que claro que a mesma
mídia que agora prega esse discurso, também inibe seus funcionários de assumir
publicamente sua sexualidade, caso esta não esteja dentro dos padrões “normais” da
sociedade.
O preconceito não cessou nem vai cessar tão
cedo, da mesma forma não podem ser os filmes, novelas e apelos midiáticos que
devem orientar as concepções, opiniões e visões de mundo das pessoas,
até porque se assim for, estaremos completamente nas mãos desse instrumento que
sempre está ao lado que é mais favorável a si mesma e ponto. Se hoje o gay, a
lésbica, o transexual, o bissexual, está começando a ganhar espaço e
conquistando direitos fundamentais do ser humano, isso é devido aos vários anos
de luta organizada por parte de todos os movimentos.
Ser gay
está na moda. Ser gay está na novela. Novelas acabam. Modas vêm e vão. É
preciso ter consciência de quem nós somos e do que queremos. Se passarmos a
concordar com apelos midiáticos e aceita-los sem questionamentos, jogamos fora
as vidas que se perderam, o sangue que já foi derramado, a luta que nunca parou
e elegemos como a maior defensora dos direitos dos homossexuais a novela das
21:00.
Referências
Personagens
Homossexuais em novelas. http://televisao.uol.com.br/album/personagens-gays-novelas_album.htm#fotoNav=20
A
evolução dos casais gays nas novelas brasileiras. http://virgula.uol.com.br/famosos/bom-de-causa/evolucao-dos-casais-gays-nas-novelas-brasileiras#image5
Histórico
da luta de LGBT no Brasil. http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/cadernos_tematicos/11/frames/fr_historico.aspx
Grupo
Gay da Bahia – GGB. http://www.ggb.org.br/ggb.html
Associação
Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais –
ABLGBT. http://www.abglt.org.br/port/index.php
Casais
gays conquistam 112 direitos com decisão do STF. http://noticias.r7.com/brasil/noticias/supremo-tribunal-federal-reconhece-uniao-estavel-gay-20110506.html
Gays e
direitos civis: vocês sabem o que já foi conquistado?. http://ladyrasta.com.br/2011/04/04/gays-e-direitos-civis-voces-sabem-o-que-ja-foi-conquistado/
'Arrancaram
todos os dentes', diz irmã de jovem gay encontrado morto. http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/01/arrancaram-todos-os-dentes-dele-diz-irma-de-jovem-encontrado-morto.html
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