segunda-feira, 7 de julho de 2014

Preconceito


A Construção do Preconceito

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Não é exagero dizer que qualquer pessoa homossexual assumida já foi questionada em algum momento da vida sobre quando se tornou homossexual e essa é uma pergunta  interessante, inusitada e também extremamente ofensiva. Ofensiva porque se parte do princípio que você era algo, mudou e pode vir a mudar novamente, isso pelo fato de as pessoas naturalizarem uma forma de conceber o mundo e a partir daí, tudo que foge dessa concepção se torna errado e desviado. Nesse instante nasce o preconceito.
É "comum", mas não certo, questionar o momento da vida em que uma pessoa se torna homossexual, entretanto, poucos questionam-se em que momento alguém se torna hétero, pois na sociedade em que vivemos ser hétero é natural e não há motivos para se questionar o que é "natural, verdadeiro e universal". Sim, vivemos em um mundo heteronormativo e assim, é  há séculos, parte desse legado foi construído pela igreja que durante sua ascensão e hegemonia cuidou para que qualquer tipo de relação entre pessoas do mesmo sexo fosse endemoniada, não à toa que ainda hoje muitos associam homossexualidade a pecado ou condenação ao inferno.
A  construção da sexualidade é um mistério para muitos médicos, psicólogos, psiquiatras e pesquisadores que se debruçam sobre o assunto, é difícil dizer se o ser humano já nasce com sua sexualidade definida ou se em oposição ela é definida no processo de socialização desse individuo com o mundo que o cerca, assim como acontece com uma série de traços de sua personalidade. Hoje já se sabe que o meio exerce uma significativa influência em determinados aspectos da individualidade e pode ser decisivo em como cada um irá encarar a sexualidade, dita de forma ampla, porém saber até que ponto seria possível afirmar que o meio seria o responsável pela definição da orientação/ condição sexual é ir longe demais e não há respaldo científico para tal afirmação, ao menos por enquanto.
Ser heterossexual ou homossexual diz respeito a cada um e isso não deveria ser motivo de debate, preconceito ou recriminação, porém, tudo isso só acontece justamente pela forma como o processo de socialização individual se dá, processo que reproduz o preconceito criando em pleno século XXI seres humano intolerantes, homofóbicos, racistas e preconceituosos.
Quando falamos em socialização, nos referimos a todos os processos que o ser humano é submetido no interior de grupos sociais que se encarregam de transmitir os valores morais, éticos, culturais, entre outros. Socialização é a assimilação de hábitos característicos do seu grupo social, todo o processo através do qual um indivíduo se torna membro funcional de uma comunidade, assimilando a cultura que lhe é própria. É um processo que inicia-se após o nascimento, através primeiramente da família e depois de agentes próximos como a escola, os meios de comunicação de massas e dos grupos de referência; é contínuo, nunca se dá por terminado, realizando-se através da comunicação.

Cada indivíduo, ao nascer, segundo Strey (2002, p. 59), “encontra-se num sistema social criado através de gerações já existentes e que é assimilado por meio de inter-relações sociais”. O homem, desde seus primórdios, é considerado um ser de relações sociais, que incorpora normas, valores vigentes na família, em seus pares, na sociedade. Assim, a formação da personalidade do ser humano é decorrente, segundo Savoia (1989, p. 54), “de um processo de socialização, no qual intervêm fatores inatos e adquiridos”. Entende-se, por fatores inatos, aquilo que herdamos geneticamente dos nossos familiares, e os fatores adquiridos provém da natureza social e cultural. (UNITINS) 

A citação só reitera o que havíamos mencionado acima, reforçando a tese de que a personalidade do indivíduo é formada a partir da complexa relação entre as características inatas de cada indivíduo mais toda a carga cultural contendo valores, regras, etc., que é transmitida a ele no processo de socialização. Esta personalidade sofre intensa influência do que é exterior, da forma como esse contato com o mundo se dá, nesse aspecto é que podemos falar em construção do preconceito, já que ele é construído, muitas vezes, concomitantemente a personalidade. Vamos avançar.
Tomemos o modelo de socialização ocidental, ao qual estamos inseridos, esse modelo é profundamente permeada por valores machistas e patriarcais (não que isso seja exclusividade do ocidente, muito, mas muito pelo contrário, basta olharmos alguns grupos fundamentalistas do Oriente, veremos que há situações muito piores e bem mais graves, do ponto de vista social e humano para a mulher, por exemplo), a luta para desconstruir essa realidade rígida e opressora não tem sido nada fácil, as mulheres talvez, sejam as primeiras e mais diretamente oprimidas por essa verdadeira ditadura sexual que por séculos oprimiu, calou, neutralizou e assassinou qualquer chance ou destaque para a figura feminina, esta em verdade foi sempre relegada a segundo plano, sem muito ou nenhum destaque em grandes setores da sociedade. Basta lembrar as grandes cientistas, filósofas e pensadoras dos séculos XVIII, XIX e mesmo XX. É possível que você tenha tido alguma dificuldade em lembrar de algum nome.Talvez, porque não houve um significativo número de mulheres nesses campos e, se houve não foram devidamente reconhecidas ou divulgadas.
Mas o tema do papel e lugar da mulher é assunto (e muito importante para nós) de outra postagem. Se para a mulher heterossexual já foi e é difícil, imagine para homossexual.
O nascimento insere-nos  em um mundo que já existe, entramos em um trem em movimento que não permite paradas, reformulações e é bem restrito a reformas, ou seja é bastante complicado tentar desviar a rota, escolher outro caminho ou mesmo se negar a fazer parte da viagem. Citando um artigo do CMI:

[...] Em nosso processo de socialização a assimilação das ideias opressoras hegemônicas como o machismo, a competição, o racismo, a exploração, a hierarquia, a exclusão entre outras nojeiras, são impostas sem possibilidade de questionamento durante toda nossa formação e desenvolvimento enquanto humano e enquanto ser social. Nessa longa viagem apenas aprendemos que as coisas são como são porque simplesmente são, e isso é natural. (CMI, 2012) 

A complexa teia de relações que irá reproduzir os valores vigentes relacionados ao machismo, homofobia  e o preconceito de forma geral,  se inicia ainda na infância da seguinte forma: é natural que os meninos brinquem com carros, bola, se envolvam em futebol, esportes de luta ou atividades tidas como menos delicadas; já as meninas são presenteadas com as bonecas e todo tipo de adereços possíveis como a casa com geladeira, fogão, cama (O lugar da mulher em nossa sociedade?!), as brincadeiras serão mais delicadas as roupas serão rosas em oposição ao azul, dos meninos e, desde muito cedo já é retirado do ser humano a possibilidade de escolha dentro dessa sociedade com os valores já muito bem estabelecidos. 
Ao indivíduo é imposto o futebol, a boneca, "a casinha", a luta, o rosa e o azul, e essa forma de ser indivíduo se naturaliza a tal ponto que a partir de determinado momento o menino irá repelir o rosa, a boneca, a casinha e a menina em oposição irá rejeitar tudo aquilo que ela aprendeu nesse processo de ingresso social fazer parte do mundo dos meninos. Percebam que não se trata de uma repulsa natural ao que é desagradável a criança, mas sim de algo que foi socialmente institucionalizado a ela repulsar. Felizmente, esta lógica dominante não funciona perfeitamente, afinal, e hoje mais que no passado, vivemos uma época de grandes levantes, aprendemos a debater, a questionar, a criticar e principalmente a não permanecer calados diante das injustiças e arbitrariedades construídas ao longo da história da qual também somos fruto.
A relação que propomos acima também não é direta, claro que sempre haverá exceções, mas o importante a frisar é o fato de que é assim que a criança é inserida no mundo, assim que ela é socializada. Não à toa que os mecanismos de opressão e recriminação são reproduzidos, as oposições de gênero são continuamente repostas e assim, ainda será até a luta contra o preconceito ser vencida, o que não será tarefa fácil nem acontecerá quando o sol despontar no horizonte amanhã, já ficou claro que a batalha não é fácil, as tentativas não são poucas, o processo é demasiadamente complexo e o número de pessoas que aceitam ficar na linha de frente é reduzido, entretanto, o mais importante é saber que hoje as vozes não mais simplesmente se calam, o discurso hegemônico não mais domina plenamente e o processo de socialização já se diversificou e existem alternativas a esse rolo compressor que só repõe e reproduz constantemente o preconceito.
  
 Referências
http://www.midiaindependente.org/pt/red/2012/06/508575.shtmlhttp://www.unitins.br/BibliotecaMidia/Files/Documento/BM_633856684394224298apostila_aula_2.pdf

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Héteros


Todos não somos Héteros!

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 Quanto mais avançamos no tempo, mais uma ala de seres humanos insiste em retroagir, é inconcebível que em pleno ano de 2014 alguns gritos ainda ecoem e algumas falas ultrapassadas ainda encontrem vitalidade e continuidade.
Recentemente circulou na rede um texto de um famoso pastor, no qual ele afirma que os indivíduos aprendem a ser homossexuais por imposição ou aprendizado, no mesmo texto há referências à psicologia, bíblia e genética, o autor do artigo caminha livremente entre todas as áreas possíveis para construir seus argumentos falhos, incoerentes e extremamente absurdos, e não é a primeira vez que ele o faz. Digno de um palanque em praça pública com direito a uma multidão na escuta para ouvi-lo, no que ele considera ser uma revelação, uma verdadeira mensagem que vem em busca de salvar almas pecaminosas e perdidas que se deixaram influenciar por um mau sem remédio, ao abrir as portas de sua alma e corpo para o pecado fazer morada. 
Alguns pontos precisam ser esclarecidos quando simplesmente afirmamos que o fato de um indivíduo ser hétero, homossexual, bissexual, pansexual, deriva de uma determinação genética ou do processo de socialização e desenvolvimento da personalidade, não que concordemos com uma afirmação ou outra ou mesmo que ambas sejam mutuamente excludentes, porque não são. Mas vamos considerar a afirmação veiculada no texto mencionado, de que a homossexualidade é aprendida ou imposta.
Tem sido recorrente uma falácia que vem se convencionando chamar de “Ditadura Gay”, são dezenas de artigos (sem credibilidade inclusive), páginas no facebook, e mais um sem número de referências de pessoas que são a favor e acreditam estar vivendo uma ditadura gay, pois têm a sensação de que a qualquer momento seus filhos e amigos podem se tornar homossexuais; têm medo de ser atacados por homossexuais nas ruas; pensam que os casais formados por pessoas do mesmo sexo são uma afronta a sociedade e estão cada vez menos preocupados em demonstrar o quanto são felizes em qualquer local (públicos inclusive. Que Absurdo!). 
A grande verdade é que não existe nenhum tipo de ditadura gay, estamos à anos-luz de algo assim, mas é impossível compreender o porquê de tantas pessoas (principalmente os héteros, nesse caso por motivos óbvios) se incomodarem tanto com essa tal "ditadura", afinal de contas, o mundo está há muito mais de 2.000 anos sob uma ditadura hétero e poucos reclamaram nesse nível.
Muito se discute se a homossexualidade é genética ou social, mas pouquíssimas pessoas colocam em evidência que a discussão não é sobre homossexualidade e sim sobre a sexualidade humana de forma ampla. Se o fato de alguém ser gay estiver relacionado a sua genética a heterossexualidade também estará. Se uma é socialmente desenvolvida o mesmo vale para outra e, isso tem de estar bem claro em qualquer discussão que envolva tais assuntos.
Ser hétero não é natural, somos desde o momento em que o espermatozoide fecunda um óvulo, concebidos de acordo com um sexo e gênero já instituídos e não existe opção, não existe construção, ao menos num primeiro momento. Nosso gênero e sexualidade são impostos de forma heterossexual.    Dizer que homossexualidade é imposta derivaria dizer que vivemos em uma sociedade em que a homossexualidade é comum, vivida abertamente e não é alvo de preconceito e discriminação. Nossa sociedade permite isso? Na verdade acontece o contrário, apenas a heterossexualidade é vista como natural e comum, nós somos ensinados a ser assim, a heterossexualidade é imposta, assim como nosso gênero. 
Não é, necessariamente, natural alguém que nasce com uma vagina sentir-se atraído por alguém que nasceu com um pênis, isso é ensinado como natural e interiorizado desde quando se é criança  e, claro que cedo ou tarde esse indivíduo irá encarar isso como algo que é natural a ele. Ter um pênis não significa ser, necessariamente, homem, assim como ter uma vagina não significa ser, necessariamente, mulher, assim como não devemos confundir os termos homem x mulher; macho x fêmea; masculino x feminino; hétero x homo. Cada um desses termos representa uma característica particular e podem ser usados como sinônimos especialmente por pessoas (mal instruídas e/ ou mal intencionadas) na tentativa de justificar que o natural é seguir sua natureza (socialmente criada), mas isso é assunto para outro post. O que resta dizer é que não se sabe, de fato, o momento em que definimos nossa sexualidade, se não for genética, então tanto héteros quanto gays são construídos pela sociedade. Nesse caso é fácil olhar para o lado e ver que sem dúvida todos somos doutrinados à heterossexualidade.
Se não existir o gene gay, também não existe o gene hétero. Se alguém é capaz de afirmar que o indivíduo aprende a ser gay em seu processo de socialização, então afirmamos que igualmente aprendemos a ser héteros no mesmo processo. Nascer com um pênis ou uma vagina não determina por quem você se sentirá atraído sexualmente (Será que o psicólogo pastor sabe que identidade de gênero e orientação sexual são coisas diferentes?).
Durante boa parte da vida é imposto  às pessoas um gênero e uma orientação sexual específica, nessa sociedade machista e profundamente heteronormativa dizer que pessoas se tornam gays por imposição ou influência seria uma piada digna de gargalhadas debochadas e gritantes, não fosse a dose exagerada e mascarada de preconceito e homofobia.
Por acaso os modelos de família feliz são formados por pessoas do mesmo sexo? Branca de Neve, Cinderela ou Bela Adormecida, eram travestis?
Quer afirmar que as pessoas podem se tornar gays? Então afirme também: Todos nós somos obrigados a ser héteros de forma impositiva, violenta e massacrante.