A Construção do Preconceito
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Não
é exagero dizer que qualquer pessoa homossexual assumida já foi questionada em
algum momento da vida sobre quando se tornou homossexual e essa é uma pergunta interessante, inusitada e também
extremamente ofensiva. Ofensiva porque se parte do princípio que você era
algo, mudou e pode vir a mudar novamente, isso pelo fato de as pessoas
naturalizarem uma forma de conceber o mundo e a partir daí, tudo que foge dessa
concepção se torna errado e desviado. Nesse instante nasce o preconceito.
É
"comum", mas não certo, questionar o momento da vida em que uma
pessoa se torna homossexual, entretanto, poucos questionam-se em que momento alguém se torna hétero, pois na sociedade em que vivemos
ser hétero é natural e não há motivos para se questionar o que é "natural,
verdadeiro e universal". Sim, vivemos em um mundo heteronormativo e
assim, é há séculos, parte desse legado foi construído pela igreja que durante sua
ascensão e hegemonia cuidou para que qualquer tipo de relação entre pessoas do
mesmo sexo fosse endemoniada, não à toa que ainda hoje muitos associam
homossexualidade a pecado ou condenação ao inferno.
A
construção da sexualidade é um mistério para muitos médicos, psicólogos,
psiquiatras e pesquisadores que se debruçam sobre o assunto, é difícil dizer se
o ser humano já nasce com sua sexualidade definida ou se em oposição ela é
definida no processo de socialização desse individuo com o mundo que o cerca,
assim como acontece com uma série de traços de sua personalidade. Hoje já se
sabe que o meio exerce uma significativa influência em determinados aspectos da
individualidade e pode ser decisivo em como cada um irá encarar a sexualidade,
dita de forma ampla, porém saber até que ponto seria possível afirmar que o
meio seria o responsável pela definição da orientação/ condição sexual é ir longe
demais e não há respaldo científico para tal afirmação, ao menos por enquanto.
Ser
heterossexual ou homossexual diz respeito a cada um e isso não deveria ser
motivo de debate, preconceito ou recriminação, porém, tudo isso só acontece
justamente pela forma como o processo de socialização individual se dá,
processo que reproduz o preconceito criando em pleno século XXI seres humano
intolerantes, homofóbicos, racistas e preconceituosos.
Quando
falamos em socialização, nos referimos a todos os processos que o ser humano é
submetido no interior de grupos sociais que se encarregam de transmitir os
valores morais, éticos, culturais, entre outros. Socialização é a
assimilação de hábitos característicos do seu grupo social, todo o processo
através do qual um indivíduo se torna membro funcional de uma comunidade,
assimilando a cultura que lhe é própria. É um processo que inicia-se após o
nascimento, através primeiramente da família e depois de agentes próximos como
a escola, os meios de comunicação de massas e dos grupos de referência; é
contínuo, nunca se dá por terminado, realizando-se através da
comunicação.
Cada indivíduo, ao nascer, segundo Strey
(2002, p. 59), “encontra-se num sistema social criado através de gerações já
existentes e que é assimilado por meio de inter-relações sociais”. O homem,
desde seus primórdios, é considerado um ser de relações sociais, que incorpora
normas, valores vigentes na família, em seus pares, na sociedade. Assim, a
formação da personalidade do ser humano é decorrente, segundo Savoia (1989, p.
54), “de um processo de socialização, no qual intervêm fatores inatos e
adquiridos”. Entende-se, por fatores inatos, aquilo que herdamos geneticamente
dos nossos familiares, e os fatores adquiridos provém da natureza social e
cultural. (UNITINS)
A
citação só reitera o que havíamos mencionado acima, reforçando a tese de que a
personalidade do indivíduo é formada a partir da complexa relação entre as
características inatas de cada indivíduo mais toda a carga cultural contendo
valores, regras, etc., que é transmitida a ele no processo de socialização.
Esta personalidade sofre intensa influência do que é exterior, da forma como
esse contato com o mundo se dá, nesse aspecto é que podemos falar em construção
do preconceito, já que ele é construído, muitas vezes, concomitantemente a
personalidade. Vamos avançar.
Tomemos
o modelo de socialização ocidental, ao qual estamos inseridos, esse modelo é
profundamente permeada por valores machistas e patriarcais (não que isso seja
exclusividade do ocidente, muito, mas muito pelo contrário, basta olharmos alguns grupos fundamentalistas do Oriente, veremos que há
situações muito piores e bem mais graves, do ponto de vista social e humano para a mulher, por exemplo), a luta para desconstruir essa realidade rígida e opressora não tem sido nada
fácil, as mulheres talvez, sejam as primeiras e mais diretamente oprimidas por
essa verdadeira ditadura sexual que por séculos oprimiu, calou, neutralizou e
assassinou qualquer chance ou destaque para a figura feminina, esta em verdade
foi sempre relegada a segundo plano, sem muito ou nenhum destaque em grandes
setores da sociedade. Basta lembrar as grandes cientistas, filósofas e
pensadoras dos séculos XVIII, XIX e mesmo XX. É possível que você tenha tido
alguma dificuldade em lembrar de algum nome.Talvez, porque não houve um
significativo número de mulheres nesses campos e, se houve não foram devidamente
reconhecidas ou divulgadas.
Mas o tema do papel e lugar da mulher é assunto (e muito importante para nós) de outra postagem. Se para a mulher heterossexual já foi e é difícil, imagine para homossexual.
Mas o tema do papel e lugar da mulher é assunto (e muito importante para nós) de outra postagem. Se para a mulher heterossexual já foi e é difícil, imagine para homossexual.
O
nascimento insere-nos em um mundo que já existe, entramos em um trem em
movimento que não permite paradas, reformulações e é bem restrito a reformas,
ou seja é bastante complicado tentar desviar a rota, escolher outro caminho ou
mesmo se negar a fazer parte da viagem. Citando um artigo do CMI:
[...] Em nosso processo de socialização a assimilação das ideias
opressoras hegemônicas como o machismo, a competição, o racismo, a exploração,
a hierarquia, a exclusão entre outras nojeiras, são impostas sem possibilidade
de questionamento durante toda nossa formação e desenvolvimento enquanto humano
e enquanto ser social. Nessa longa viagem apenas aprendemos que as coisas são
como são porque simplesmente são, e isso é natural. (CMI, 2012)
A
complexa teia de relações que irá reproduzir os valores vigentes relacionados
ao machismo, homofobia e o preconceito de forma geral, se inicia
ainda na infância da seguinte forma: é natural que os meninos brinquem com
carros, bola, se envolvam em futebol, esportes de luta ou atividades tidas como
menos delicadas; já as meninas são presenteadas com as bonecas e todo tipo de
adereços possíveis como a casa com geladeira, fogão, cama (O lugar da mulher em
nossa sociedade?!), as brincadeiras serão mais delicadas as roupas serão rosas
em oposição ao azul, dos meninos e, desde muito cedo já é retirado do ser
humano a possibilidade de escolha dentro dessa sociedade com os valores já
muito bem estabelecidos.
Ao indivíduo é imposto o futebol, a boneca, "a casinha", a luta, o rosa e o azul, e essa forma de ser indivíduo se naturaliza a tal ponto que a partir de determinado momento o menino irá repelir o rosa, a boneca, a casinha e a menina em oposição irá rejeitar tudo aquilo que ela aprendeu nesse processo de ingresso social fazer parte do mundo dos meninos. Percebam que não se trata de uma repulsa natural ao que é desagradável a criança, mas sim de algo que foi socialmente institucionalizado a ela repulsar. Felizmente, esta lógica dominante não funciona perfeitamente, afinal, e hoje mais que no passado, vivemos uma época de grandes levantes, aprendemos a debater, a questionar, a criticar e principalmente a não permanecer calados diante das injustiças e arbitrariedades construídas ao longo da história da qual também somos fruto.
Ao indivíduo é imposto o futebol, a boneca, "a casinha", a luta, o rosa e o azul, e essa forma de ser indivíduo se naturaliza a tal ponto que a partir de determinado momento o menino irá repelir o rosa, a boneca, a casinha e a menina em oposição irá rejeitar tudo aquilo que ela aprendeu nesse processo de ingresso social fazer parte do mundo dos meninos. Percebam que não se trata de uma repulsa natural ao que é desagradável a criança, mas sim de algo que foi socialmente institucionalizado a ela repulsar. Felizmente, esta lógica dominante não funciona perfeitamente, afinal, e hoje mais que no passado, vivemos uma época de grandes levantes, aprendemos a debater, a questionar, a criticar e principalmente a não permanecer calados diante das injustiças e arbitrariedades construídas ao longo da história da qual também somos fruto.
A
relação que propomos acima também não é direta, claro que sempre haverá
exceções, mas o importante a frisar é o fato de que é assim que a criança é
inserida no mundo, assim que ela é socializada. Não à toa que os mecanismos de
opressão e recriminação são reproduzidos, as oposições de gênero são
continuamente repostas e assim, ainda será até a luta contra o preconceito ser
vencida, o que não será tarefa fácil nem acontecerá quando o sol despontar no
horizonte amanhã, já ficou claro que a batalha não é fácil, as tentativas não
são poucas, o processo é demasiadamente complexo e o número de pessoas que
aceitam ficar na linha de frente é reduzido, entretanto, o mais importante é
saber que hoje as vozes não mais simplesmente se calam, o discurso hegemônico
não mais domina plenamente e o processo de socialização já se diversificou e
existem alternativas a esse rolo compressor que só repõe e reproduz
constantemente o preconceito.
Referências
http://www.midiaindependente.org/pt/red/2012/06/508575.shtmlhttp://www.unitins.br/BibliotecaMidia/Files/Documento/BM_633856684394224298apostila_aula_2.pdf
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