domingo, 6 de abril de 2014

Gay

Ser Gay é Moda?!

Image courtesy of Serge Bertasius Photography at FreeDigitalPhotos.net

Hoje ao sair nas ruas é cada vez mais comum presenciarmos a cena de pessoas do mesmo sexo trocando palavras e gestos de carinho, coisas que em um passado nem tão distante assim, eram praticamente exclusividade de casais heterossexuais.  
Quem estava vivo há 20, 15 ou 10 anos acharia loucura ou alucinação se alguém dissesse que uma parcela considerável da audiência brasileira, estaria torcendo para que um casal formado por dois homens alcançasse o final feliz em um folhetim do horário nobre de uma das principais emissoras do país. Um avanço astronômico, alguns diriam. 
A luta pelos direitos LGBT não se iniciou há cinco, seis, oito meses ou um ano atrás, nem tanto é uma luta legítima da mídia televisiva ou impressa brasileira, muito pelo contrário, essa luta é das pessoas que diariamente não se calam perante o preconceito, que se articulam em movimentos, grupos, redes e que não permitem que suas vozes sejam caladas por nossa sociedade machista, heteronormativa e profundamente preconceituosa.
A delineação de um movimento gay, organizado, articulado e voltado para a luta dos direitos dessa minoria se deu por volta dos anos 1970 em meio há uma série de particularidades políticas e sociais do momento, como a repressão feroz da ditadura militar e a eclosão da epidemia de HIV na década de 1980. Concomitantemente a isso foram nascendo movimentos organizados de homossexuais como o Grupo de Afirmação Sexual de São Paulo - SOMOS que se dissolveu em 1983; o Grupo Gay da Bahia – GGB fundado em 1980 e registrado como entidade sem fins lucrativos em 1983. 
A década de 1990 é um marco na luta, foi nesse período que  eclodiram grupos organizados por todos estados do país. Em 1995 nasce a maior rede de organizações LGBT brasileira, a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais e Travestis – AGLBT cuja missão segundo a própria rede é a de ”Promover ações que garantam a cidadania e os direitos humanos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, contribuindo para a construção de uma sociedade democrática, na qual nenhuma pessoa seja submetida a quaisquer formas de discriminação, coerção e violência, em razão de suas orientações sexuais e identidades de gênero.”  
Durante certo período vários desses movimentos se uniram para levar a frente à batalha contra o HIV, que foi uma verdadeira epidemia entre os homossexuais, o que inclusive propiciou uma imagem distorcida dos gays em relação ao vírus, não é incomum ainda hoje ouvirmos frases e opiniões do tipo: “Todo gay tem HIV.” Ou: “Só faço sexo com mulheres, logo não corro risco de contrair AIDS”. A essa luta se alinhou, é claro, aquela pela garantia dos direitos, combate à homofobia e principalmente pelo respeito e paz aos homossexuais, porque ser gay na sociedade em que vivemos significa também correr alguns riscos. Quantas vidas já foram perdidas? Tantas outras violentadas gratuitamente das mais diversas formas seja moral, física e/ou psicológica  na rua, em casa, na escola e no trabalho.
Hoje o balanço que fazemos desses mais de quarenta anos de luta, pode ser positivo, caso consideremos os avanços que os homossexuais têm alcançado, como a possibilidade da união estável, o casamento civil com todos os direitos que isso acarreta para um casal, a adoção de crianças, etc. O controle e tratamento do HIV também não pode ser esquecido como uma conquista alinhada entre os movimentos organizados e a iniciativa pública, mas é claro que ainda há muito para caminhar e muito a se conquistar, basta lembrar do caso do garoto encontrado morto sob o viaduto Nove de Julho há algumas semanas, cujas fortes evidências apontam para crime motivado por homofobia.
Hoje os gays vão as ruas, ocupam altos cargos nas empresas, são atores, apresentadores, médicos, administradores, empresários, autores, enfim, pessoas que em muitos casos não precisam esconder o rosto ou viver duplamente para ser quem são.  E, embora o público pareça tratar os casais gays na teledramaturgia com naturalidade e até mesmo certa torcida, talvez não imagine o longo caminho trilhado até aqui.
Casais gays na TV sempre foram sinônimos de rejeição, basta citar casos como "A Próxima Vítima (1995)" em que os papéis interpretados por André Gonçalves e Lui Mendes foram alvo de alta rejeição, levando o ator André Gonçalves ser agredido em uma rua por um grupo de homens; em "Torre de Babel (1998)" o casal de lésbicas formado por Christiane Torloni e Silvia Pfeifer morreu na explosão de um shopping, fim motivado pela baixa aceitação do público; não foi diferente em "Desejos de Mulher (2002)" com o casal formado por José Wilker e Otávio Muller, ao longo da trama deixaram de usar aliança, mesmo vivendo sob o mesmo teto e adotaram uma postura espalhafatosa e estereotipada, motivada também pela baixa audiência. 
Assim os homossexuais foram tratados ao longo de todos esses anos na TV, apesar do gay estar presente em diversos papéis, ele sempre foi ou a bicha espalhafatosa (estereotipada) ou o homem de família enrustido, porém as tentativas de mostrar o homossexual que também tem uma "vida comum", um companheiro (a), que ama, chora, sofre, etc., nunca foi bem vista, cenário que está mudando recentemente.
O que parecia impossível está se concretizou, uma uma parcela considerável da população torceu para que o Niko (Thiago Fragoso) e o Félix (Mateus Solano) terminassem juntos com direito a final feliz e beijo para concretizar a união dos dois. A pergunta que fica é: O que mudou na mente das pessoas? Algo de fato mudou mesmo?
O gay tem virado uma rotina na mídia e há uma manobra quase que explícita de diversos meios de comunicação para uma maior aceitação dessas pessoas. Entretanto, cabe perguntar qual a motivação e até quando isso vai durar? E o mais importante e que poucas pessoas têm parado para pensar é ate que ponto a aceitação tem mesmo que partir dos apelos e manobras da mídia. Porque agora é bonito o casal de homens. Agora eles podem andar de mãos dadas, casarem-se e ter filhos. Mas e a luta legítima e dura das pessoas anônimas que ao longo de todos esses anos vêm batalhando por mais direito, mais igualdade e mais justiça? 
Não podemos perder de vista que por anos a própria mídia implicitamente se mostrou contrária à causa homossexual, às vezes se abstendo da discussão, por outras relutando em mostrar um gesto de carinho qualquer que fosse entre pessoas do mesmo sexo. Está mais que claro que a mesma mídia que agora prega esse discurso, também inibe seus funcionários de assumir publicamente sua sexualidade, caso esta não esteja dentro dos padrões “normais” da sociedade.
O preconceito não cessou nem vai cessar tão cedo, da mesma forma não podem ser os filmes, novelas e apelos midiáticos que devem orientar as concepções, opiniões e visões de mundo das pessoas, até porque se assim for, estaremos completamente nas mãos desse instrumento que sempre está ao lado que é mais favorável a si mesma e ponto. Se hoje o gay, a lésbica, o transexual, o bissexual, está começando a ganhar espaço e conquistando direitos fundamentais do ser humano, isso é devido aos vários anos de luta organizada por parte de todos os movimentos.
         Ser gay está na moda. Ser gay está na novela. Novelas acabam. Modas vêm e vão. É preciso ter consciência de quem nós somos e do que queremos. Se passarmos a concordar com apelos midiáticos e aceita-los sem questionamentos, jogamos fora as vidas que se perderam, o sangue que já foi derramado, a luta que nunca parou e elegemos como a maior defensora dos direitos dos homossexuais a novela das 21:00. 

Referências



Grupo Gay da Bahia – GGB. http://www.ggb.org.br/ggb.html
Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – ABLGBT. http://www.abglt.org.br/port/index.php


Gays e direitos civis: vocês sabem o que já foi conquistado?. http://ladyrasta.com.br/2011/04/04/gays-e-direitos-civis-voces-sabem-o-que-ja-foi-conquistado/