sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

HIV - II

                        HIV: A Entrevista
   FreeImages.com/Artist's do Nom David Dallaqua


Como antecipamos na semana passada em nossa Fanpage, o Alternnativa traz hoje entrevista exclusiva com uma pessoa portadora do HIV. Anonimamente, ela nos conta como foi descobrir ser portadora, encarar os familiares, ter tido filho, começar o tratamento e acreditar que sobreviveria, em um momento que via diversas pessoas falecendo com de Aids.
Adelaide (nome fictício) bateu um papo descontraído com o Alternnativa e, de maneira descontraída, vamos expor os principais trechos distribuídos nos tópicos que nortearam nossa conversa.

Ela começa nos falando sobre a descoberta.
Adelaide se descobriu portadora há vinte anos, ao fazer os exames de rotina durante a segunda gravidez, o primeiro filho não adquiriu o vírus. Hoje, aos quarenta e quatro anos de idade, vive bem e feliz. Afirma ela, não ter nenhum efeito colateral com os medicamentos administrados atualmente, bem como nenhuma complicação decorrente de sua condição. Adelaide é o tipo de pessoa que  porta o vírus (HIV), mas não desenvolveu a doença (Aids).    

O que mudou, de fato, em sua vida após o diagnóstico?
"Parecia que o mundo ia acabar".  É assim que Adelaide começa falando sobre esta questão. Ela nos diz que o choque inicial é bastante conturbado, a princípio pensou que poderia morrer logo, pois via constantemente na mídia, casos de pessoas que vinham perdendo suas vidas; ela citou Cazuza como um caso bastante repercutido à época. Passado o choque e medo iniciais, a rotina foi se normalizando, a grande mudança foi a administração dos remédios, cuja adaptação foi bastante complicada, com severos efeitos colaterais no início.

Em alguns momentos é necessário compartilhar alguns fatos de nossa vida com outras pessoas. Você precisou contar à alguém? Como foi o processo?
Há vinte anos, o preconceito -causado também pelo desconhecimento- era maior. Adelaide conta que teve muito medo de perder o marido e isso a deixava ainda pior, mas diz que em nenhum momento ele demonstrou qualquer sinal que apontasse nessa direção, pelo contrário, a todo momento fazia questão de deixar claro que eles estavam juntos e era, assim, que as coisas iriam permanecer. Ela segue falando que não foi fácil contar aos familiares e chegou a ouvir, de forma não direta, comentários preconceituosos; mas, que com o tempo, as pessoas foram entendendo melhor do que se tratava a sua condição.

Perguntamos à Adelaide como ela percebe o preconceito em relação aos soropositivos e o peso dele em sua vida.
O Alternnativa tem como missão fundante combater o preconceito e nós sabemos que, apesar dos avanços científicos em relação ao HIV e a Aids, o preconceito está aí e é sim um peso para milhares de pessoas que convivem com o vírus. Adelaide diz que ela percebeu sim este preconceito, que no passado ele era ainda maior, pois poucas pessoas tinham acesso à informação como hoje, não havia campanhas de conscientização amplas e difundidas, os estudos ainda estavam em fase de amadurecimento. "O peso do preconceito somava-se ao peso de saber ser portador". completa ela.

Sabemos que a aids ataca o sistema imunológico daqueles que a desenvolvem, em termos práticos não é possível dizer que alguém morreu de aids, e sim de outros vírus oportunistas que atacam a pessoa, que com o sistema imunológico deficitário, vai à óbito. Você teve algum tipo de complicação ou adquiriu algum vírus oportunista?
Adelaide diz que conviveu bastante tempo com o vírus até descobrir ser portadora, sem jamais ter desenvolvido qualquer sintoma que apontasse haver algo de errado. Também não transmitiu o vírus para seu atual companheiro.

Pedimos que Adelaide contasse um pouco sobre o tratamento.
Ela nos diz que o começo foi bem doloroso, precisou ir inúmeras vezes, no meio da noite, à prontos-socorros devido às intensas dores, sem poder jamais interromper o tratamento. Quando ela descobriu ser portadora, os medicamentos ainda eram escassos e não havia uma variedade de opções; à medida que o tempo foi passando novos medicamentos foram surgindo e o organismo começou a se habituar, o que possibilitou uma maior adaptação. Ela comenta que chegou a tomar 23 comprimidos diários, entre vitaminas para se fortalecer e os remédios para combater o HIV, hoje ela toma 6 (três pela manhã e outros três à noite) e diz  não sentir absolutamente nada.

Comentamos com Adelaide, que o Brasil faz parte do estudo da PrEP (Profilaxia pré-exposição), que pretende barrar a infecção pelo HIV de pessoas com sorologia negativa, através da administração do Truvada. A pessoa toma diariamente um comprimido; estudos têm demonstrado ser o remédio, eficaz contra a infecção. Perguntamos à ela sua opinião sobre isso, e se caso soubesse da existência de algo do tipo antes de ter contraído o vírus, se faria  uso.
Adelaide se mostra uma pessoa aberta ao dizer que apoia qualquer tipo de iniciativa que ajude a combater novas infecções e derrubar preconceitos; segue dizendo que usaria o medicamento, caso houvesse algo do tipo disponível antes de contrair o vírus.

Como nossa conversa não foi necessariamente linear, há outros pontos importantes que não foram citados nos tópicos acima. Resumimos abaixo.
- Adelaide nos disse que no início do tratamento, sua carga viral custou a baixar e que foram anos de tratamento até chegar a condição de carga viral indetectável.
 - Junto ao tratamento médico, ela fez terapia e nos disse ser fundamental este tipo de acompanhamento, especialmente para que a pessoa possa se localizar e entender melhor sua condição. Ela conta que sua situação a deixou bastante deprimida (medo de perder o marido, como ela viu acontecer inúmeras vezes com outras mulheres portadoras, medo de não ver o filho crescer, o preconceito das pessoas etc.); o acompanhamento psicológico a reanimava a cada visita.
 - Adelaide engravidou pela segunda vez, mas a filha adquiriu o vírus e faleceu de complicações posteriores.
 - Adelaide diz que os médicos admiram seu caso, pois mesmo sendo portadora e com a carga viral elevada, não demonstrou nenhum sintoma nem transmitiu o vírus para o seu companheiro com quem manteve relações sexuais desprotegidas, até a descoberta do HIV. Recentemente seu sangue foi colhido para exames, mas ainda não obteve retorno.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

HIV

Hoje, dia 1º de dezembro, é o dia mundial de combate a AIDS, como forma de apoio e conscientização trazemos um texto falando sobre avanços e alguns estudos recentes sobre o HIV. Trata-se menos de um texto de prevenção e mais sobre o preconceito que recai sobre os portadores do vírus. Como o objetivo primordial do blog é justamente propor reflexões que contribuam para debates e desconstrução de preconceitos, não poderia ser um texto diferente. Leiam, reflitam, critiquem, compartilhem. 

HIV: Um Estigma Social

Image courtesy of digitalart at FreeDigitalPhotos.net

Estamos em 2015, passaram-se 35 anos desde o surgimento dos primeiros casos de Aids no Brasil. Desde então, muita coisa mudou, os campos da ciência relacionados ao estudo do vírus desenvolveram-se e avançaram, proporcionando formas menos dolorosas e mais eficazes no combate aos sintomas e à prevenção. Se durante o surto da epidemia, na década de 1980, contrair HIV significava, na grande maioria dos casos, desenvolver Aids e falecer. Hoje, os portadores podem vislumbrar e conviver com o vírus de uma maneira bem menos pessimista.
Apesar dos inúmeros avanços nos campos da ciência médica, farmacêutica, biológica etc., há ainda um grande vilão que os portadores de HIV têm de enfrentar diariamente; um vilão, por vezes, tão devastador quanto o próprio vírus: O preconceito. Os portadores foram estigmatizados desde o início da epidemia, os homossexuais passaram a ser relacionados diretamente à doença, a ponto de serem condenados por alguns como os culpados pela difusão, ou apontados por afirmações do tipo: 'Todo gay tem HIV'. Ainda hoje, os homossexuais são considerados um grupo de risco, o que os impede, por exemplo, de doar sangue em alguns países, como o Brasil.
 Os mitos em torno da doença se espalharam, dificultando a cada dia a vida dos portadores, não se sabia se respirar o mesmo ar era seguro, sentar no mesmo banco, comer com os mesmos talheres etc., não muito diferente do que ocorre sempre que se descobre uma nova doença; felizmente, as características do vírus foram descobertas e com elas os mitos caíram por terra, o que não significou, contudo, um melhor entendimento e respeito imediato por parte da sociedade. Imagine o quão difícil deva ser saber portar o vírus do HIV e, de repente se ver segregado, excluído e impossibilitado de conviver com as pessoas com as quais sempre conviveu, ou mesmo de conhecer novas, simplesmente por ignorância e preconceito.
A esta altura, há pessoas que ainda acham que podem contrair HIV por contato indireto, por compartilhar talheres, pela saliva, por um beijo, enfim. São inúmeras as pessoas que encerram a possibilidade de conhecer e se relacionar com pessoas portadoras, pessoas que parecem fazer questão de tornar o HIV um verdadeiro estigma social. Há pesquisas extremamente sérias e relevantes, que já nos provaram não existir motivos para continuar tratando o HIV como um vírus, necessariamente, mortal, menos ainda para temer ou evitar as pessoas que porventura convivam com ele, é mais do que hora de derrubarmos preconceitos, a melhor forma de fazê-lo é com conhecimento.
Em primeiro lugar, é preciso saber que o vírus e a doença não se desenvolvem ao mesmo tempo ou em todas as pessoas; há indivíduos que contraem o HIV (vírus) mas nunca desenvolverão a doença (Aids). Apesar de ainda não existir cura definitiva, os portadores, a partir da administração dos já conhecidos coquetéis (conjunto de remédios para tratamento e controle do HIV), conseguem levar uma vida saudável com expectativas de vida que se aproximam as dos não portadores.
Como dito anteriormente, a transmissão não ocorre pelo ar, assentos, compartilhamento de talheres, salivas etc., mas sim, por meio de contato sanguíneo, pelo sêmen, por secreções vaginais, leite materno, durante a gestação - na atualidade, com o correto tratamento as chances são mínimas-, ou o parto. Dentre as formas de contágio, a mais alarmante é a sexual, não à toa o HIV ser reconhecido como uma Doença Sexualmente Transmissível - DST. Essa foi a cara da epidemia desde a década de 1980 e a camisinha ainda é o método mais seguro e disponível à prevenção. Entretanto, os outros meios de contágio não devem ser negligenciados, como o compartilhamento de seringas, geralmente associado ao uso de drogas, ou o sexo oral, que apresenta risco efetivo, apesar de muitos não fazerem questão do uso do preservativo durante essa prática. 
É importante ressaltar que a preservação deve ser constante, qualquer ato sexual deve ser realizado com uso de preservativo, independentemente de qualquer questão: alergias, falta de sensibilidade, incômodo etc., não devem ser utilizados como pretexto para o não o uso, especialmente por existir hoje no mercado uma infinidade de produtos em diversos modelos, opções e tamanhos para atender o maior número de necessidades possíveis. Prevenção é necessária sempre. Mas uma vez contaminad@, a calma deve ser estabelecida e a ajuda especializada procurada.
Outro ponto importantíssimo a ser tratado e, que poucas pessoas sabem, é que um individuo soropositivo sob tratamento e que possua carga viral controlada a níveis indetectáveis, oferece menor chance de transmissão em uma relação sexual desprotegida do que um individuo sorointerrogativo (aquele que não sabe sua sorologia).
Os estudos nesta área se multiplicam. Recentemente, postamos em nossa página no Facebook uma matéria do portal Universo AA, que versava sobre o tema, o Lado Bi também falou sobre. O estudo Partner demonstrou, com um universo de 800 casais formados por sorodiscordantes (hetero e homossexuais) - sendo que o soropositivo apresentava carga viral indetectável-, que não houve transmissão do vírus entre os casais que tinham a prática de transar sem camisinha. Estamos falando com base em dados e pesquisas de instituições sérias, não se tratam de opiniões arbitrárias. Estudos assim, tem por objetivo esclarecer as reais causas de transmissão e desmistificar tantas outras que a nada servem, senão estigmatizar e segregar ainda mais os portadores, entretanto estes dados não devem servir de fundamento para que as pessoas sintam-se seguras ou deixem de prevenir-se, pelo contrário, a prevenção ainda é a melhor forma de combate a Aids.
   O parágrafo acima traz uma informação pouco conhecida e até inesperada para muitos, dificilmente alguém diria ser mais seguro manter relações sexuais com um soropositivo, mas é isso mesmo, é importante ressaltar, que este quadro diz respeito aos portadores em tratamento que fazem uso de antirretrovirais, responsáveis por manter a carga viral a níveis indetectáveis. Esse tipo de informação precisa ser compartilhada e difundida, para que o preconceito e resistência ignorantes cessem e para que todas as pessoas portadoras possam viver com o respeito e a dignidade merecida, sem pré-julgamentos descabidos ou a segregação já tão vivida e conhecida por alguns grupos, tidos como minorias.