O Enem Feminista
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Algo que era
até pouco tempo impensável aconteceu na vida real, tivemos uma prova de
abrangência nacional, o Enem, contendo pautas sociais urgentes, envolvendo
questões acerca de gênero, feminismo e violência contra a mulher, pautas que
tantos setores lutam para que sejam inseridas fortemente na escola, esteve
colocada na avaliação que há algum tempo pretende ser um mecanismo de
uniformização do que se aprende nessa.
Vivemos um
momento de grande tensão, há um insistente discurso afirmando uma crise
econômica que se mostra contraditória e não muito palpável; há com certeza uma
crise política representada no atual momento por um engessamento das decisões
políticas federais e andamento de tais decisões, somado a isso percebemos uma
onda conservadora e machista em voga na sociedade, refletida na câmara dos
deputados e em alguns dos últimos projetos por ela apresentados.
Na tentativa
de fazer frente a onda conservadora os movimentos e pessoas diretamente
atingidos por ela tem reagido, entre eles, o LGBT (ressalvadas as devidas
proporções) e o feminismo, pretendendo não ter suas vozes caladas nem seus direitos,
conquistados com difíceis lutas, sufocados. É nesse contexto que o Enem, em sua
última edição, trouxe a tona Simone de Beauvoir -um ícone para o feminismo-, e
a "Persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira".
Uma sociedade que ainda mata mulheres, as exclui, as vê em posição de
inferioridade em relação aos homens, que as desqualifica, incapacita e as
sufoca. Uma sociedade que violenta física, social e moralmente mulheres de
todos os tipos, embora também haja uma seletividade no grau de tal exclusão e
violência.
O Enem
trouxe à luz a possibilidade de um debate muito mais amplo e profundo que
transcende o alcance e objetivos da prova, os traços do ódio contra a mulher e
a violência que ele gera está escancarado em nossa sociedade, infelizmente. O exemplo mais claro no momento
esteja, talvez, em boa parte dos julgamentos e ofensas proferidos a atual
presidenta do país, muitos revoltados sem causa, pautam-se apenas no fato de
Dilma ser mulher para desqualificá-la do cargo que ocupa, usando de xingamentos
e ofensas misóginas, que passam para muitos, despercebidos e descolados de tal
carga.
O Enem foi
ainda mais além, ao abrir a possibilidade na mente de aproximadamente 8 milhões
de jovens e adultos de se discutir gênero e identidade de gênero ao citar: "Ninguém nasce mulher; torna-se mulher.
Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana
assume no seio da sociedade; [...]" trecho do livro O Segundo Sexo, de Simone de Beauvoir. Claro
que a prova trazia apenas um trecho de uma obra bem mais profunda e complexa,
mas é uma semente, uma iniciativa, sendo otimista, uma luz. Já apresentamos em
outros momentos aqui no blog algumas discussões acerca de gênero e voltaremos a
falar dele, pois é fundamental falar sobre a construção do gênero e das
identidades, para falar de machismo, homofobia, preconceito, etc.
É importante
olhar para a sociedade e constatar que de alguns lugares as vozes dos oprimidos
conseguem ecoar e se fazer ouvir. O tema de redação do Enem, foi muito mais que
um tema, foi muito mais que uma redação e muito maior que o Enem, foi o grito
de milhares de mulheres que sofreram e ainda sofrem caladas, diariamente
violentadas pelo machismo na figura do homem desconhecido e especialmente do
conhecido; algumas vezes na figura da própria da mulher que nasce e cresce
envolta por valores que a inferiorizam perante a sociedade.
A violência
contra a mulher precisa parar, deve deixar de persistir na sociedade brasileira
e em qualquer outra sociedade, igualdade e respeito é o que todos nós
merecemos. E em meio há tantos absurdos e a violência dos últimos tempos, abrir o
Enem e ler Simone, é no mínimo pra nos encher de esperança.
Olá!
ResponderExcluirTer um tema como esse na redação do ENEM e questões relacionadas à questão de gênero e direitos das minorias na prova é mesmo um grande alívio nesses tempos obscuros.
Com todos esses projetos de cunho conservador e retrógrado sendo aprovados em comissões da Câmara dos Deputados, nos traz ao menos uma ponta de esperança ver que algo de positivo ecoa aos ouvidos das massas.
Todo esse machismo e opressão que geram essa violência física e psicológica às mulheres foram sedimentados ao longo de séculos. Sendo assim, apenas a luta constante por sua desconstrução fará com que ela ocorre realmente. Por isso, nenhum defensor dos direitos humanos básicos, dos direitos das mulheres, dos direitos das minorias raciais e dos direitos LGBT, dentre outros, deve desistir de lutar (metaforicamente) pela diminuição dessas desigualdades. O caminho é longo, muito longo, mas os progressos, por mínimos que sejam, podem ser notados. E essa atitude dos formuladores do ENEM nos traz um novo fôlego para continuar.
Um abraço!
Continuem escrevendo, pois os textos são muito bons! Leio e recomendo (rs).
Ótima colocação Felipe, é exatamente isso.
ResponderExcluirObrigado pela visita, continue conosco!
Por conta do meu trabalho, tem um tempo que eu acompanho as provas do Enem, assim como do ENADE (no fim da faculdade). As pessoas em geral gostam de tecer criticas, rasas na grande maioria das vezes, sobre iniciativas do governo, mas essas provas sempre apresentaram características interessantes... O Enem mesmo, ao exigir capacidade de interpretação, raciocínio, ao invés do famoso decoreba dos tradicionais vestibulares... O mesmo vale para o ENADE (em outro contexto).
ResponderExcluirPor isso, ver o tema da redação foi uma consequência natural dessa postura e foi muito legal ver não só essa questão, mas como várias outras questões que lidavam com temas igualmente interessantes. Ver o alvoroço que isso causou eu penso que foi muito benéfico.
A própria discussão sobre a Simone de Beauvoir foi interessante... já dei muita botinada em gente que veio criticá-la e nem sabe ao certo quem ela foi! ;-)
Muito bacana teu texto! :)
Críticas rasas e muitas vezes conservadoras, o que é bem pior. Tem até câmara de vereadores aprovando moção de repúdio a questão. Os tempos não são fáceis, mas o que importa é que estamos avançando indiscutivelmente e cabe a nós não permitir que haja retrocesso.
ResponderExcluirObrigado pelo comentário Latinha! ? :)