Bicha Machista
Image courtesy of franky242 at FreeDigitalPhotos.net
Este poderia ser um texto
sobre como os homossexuais são afetados diariamente pelo machismo e pela
heteronormatividade que ainda rege nossa vida em sociedade, palavras e frases
não faltariam para dizer o quanto um homossexual é prejudicado, ameaçado e lesado
cotidianamente por esse mesmo machismo.
Qualquer pessoa teria um
número considerável de exemplos passíveis de serem citados aqui: homens,
mulheres, gays, lésbicas, etc., mas nosso foco se trata do machismo no
interior do cotidiano gay, aquele cometido pelos próprios homossexuais, o que apesar
de causar certo espanto é algo não muito incomum
Qualquer pessoa que já
frequentou salas de bate papo, sites de relacionamento ou os aplicativos de
"caça", já se deparou, muito provavelmente, com o tipo de cara que
preza pela discrição, anonimato e o submundo de tudo que permanece as escuras,
as justificativas para isso são muitas e figuram desde os que apenas não querem
expor sua individualidade até os que são casados. Outra característica bastante
comum "no meio" reside na preferência pelos não afetados e discretos.
A primeira vista pode parecer apenas uma questão de preferência e atração, mas
em boa parte há certa dose de machismo permeando tais preferências.
Seria desnecessário
repetir que vivemos em uma sociedade machista e nosso processo de socialização
nos incentiva a também sermos, tema de uma outra postagem (http://alternnativag.blogspot.com.br/2014/07/a-construcao-do-preconceito-nao-e.html).
Entretanto, podemos desenvolver outras formas de pensar, que não a que nos é
imposta, porém boa parte das pessoas não consegue se desprender facilmente de
tais valores tão bem arraigados e muitas vezes confundidos com o próprio
indivíduo, claro que o machismo cresce conosco, somos influenciados e afetados
por ele, cabendo a nós, em especial a alguns grupos, lutar contra.
Um dos grupos que fazemos
menção no parágrafo acima é, ou ao menos deveria ser,
inquestionavelmente, os homossexuais e, embora esse combate seja muito mais
comum, por questões óbvias, entre as lésbicas, parece não haver um paralelo
direto e bem definido entre os gays, pelo contrário, é possível enxergar a
sobrevivência e permanência de atitudes e posturas machistas, também nesse
meio, um paradoxo, uma abominável contradição.
Muitos gays não conseguem
sair do temeroso armário, vivem as sombras de uma mentira prestes a ser
revelada a qualquer instante. Fazem dele -o armário- seu maior e mais seguro
suporte e refúgio e, por saberem que nunca estão em plena segurança a
ameaça da descoberta os afugenta, fazendo-os recorrer a todas as armas
possíveis e capazes de protegê-los neste casulo. Em alguns casos, ou boa
parte deles, ou em todos eles, a posição machista destes indivíduos é uma forma
de fortalecer o armário, dar seguridade ao esconderijo.
Para além desta questão,
há ainda uma mais problemática: Trata-se dos gays que desprezam e desdenham
daqueles que possuem trejeitos tipicamente femininos, muitos se referem a eles
com ar pejorativo, ar semelhante aquele dispensado pelos héteros em relação aos
gays de forma geral. Porque caso estas pessoas não tenha se dado conta ainda,
para a sociedade normatizada não existe o "gay machão" e o "gay
bichinha", existe apenas o gay e se você no interior do grupo cria essa
dualidade, significa a aceitação do mesmo preconceito e das mesmas raízes
machistas desta sociedade. Há uma desconstrução total e interior ao movimento
LGBT, que tanto luta, tanto grita e tanto morre na batalha contra o preconceito.
Tratar com desprezo ou
desdém e mais preconceito qualquer individuo não torna ninguém mais ou menos
gay e esse ato deliberado de criticar alguém pelas características
constituintes de sua personalidade é preconceito e pior, revestido de machismo.
Para tornar a situação um
pouco mais complexa outro ponto se coloca entre os homossexuais com total
relação ao machismo presente entre nós: A questão de ser ativo ou passivo,
representando o que consideramos ser uma das maiores contradição entre os gays,
pois parece que a relação, também machista e heteronormativa, estabelecida
entre homem e mulher é trazida e adaptada para as relações entre dois homens.
A pergunta, "o que
você curte?" é comum e usada com frequência entre homens, o que já infere
que as vezes a preferência na cama tem preponderância em muitos
relacionamentos. Mas e todo o resto? Há uma preocupação em saber de cara o
rótulo (comum também nas relações entre héteros, importante lembrar) que cada
um carrega, ativo, passivo, versátil Essa atitude revela mais uma
faceta do machismo entre os gays.
Dificilmente se ouve
alguém dizer declaradamente que é passivo e isso não é a toa. Ser passivo
consciente ou inconscientemente traz um peso negativo, um peso que poucas
pessoas conseguem explicar de onde vem, porque na verdade nem mesmo elas sabem
qual a origem. O adjetivo versátil serviu muito bem a muitas pessoas que não
tinham a coragem de assumir sua preferência, não à toa que em um texto
intitulado "O vilão do Grindr" já referenciado aqui no blog (http://wwwbarbrazil.blogspot.com.br/2014/03/o-vilao-do-grindr.html),
é mencionada a seguinte frase: "Todos os ativos são versáteis e todos os
versáteis são passivos". Claro que se trata de uma generalização que
requer maior análise, mas há de fato uma realidade vivida que se aproxima desta
citação.
Ser passivo e assumir isso
em alguns casos não é simples, pois implica na cabeça de muitas pessoas certa
inferioridade em relação ao outro. Como mencionado anteriormente, as relações
homossexuais parecem ser constantemente adaptadas as relações heterossexuais,
sendo assim, necessariamente as pessoas precisam identificar quem é o homem e a
mulher da relação; quem manda e quem obedece. Aceita-se de forma rasa e conformada,
mais uma vez todo o machismo também cometido contra a mulher.
Já é um absurdo esse tipo
de relação entre pessoas de sexos opostos. Já é um absurdo o machismo ainda
sobreviver, mas absurdo maior é tentar transpor e tornar iguais coisas que em
essência são diferentes. E mais absurdo é ter que falar em desconstrução do
machismo em um meio, cujo objetivo político-social deveria ser por natureza,
desconstruí-lo.